sábado, 21 de maio de 2011

O grito e a dissolução do eu - nota sobre uma vida em contraste...

TEXTO 3.

A distinção entre natureza e cultura, interno e externo, "eu" e "outro" e, consequentemente, a instauração de norams e regras para a disciplinarização de comportamentos e condutas, através de uma moralidade e, também ou principalmente, do Direito, marca, pois, a transição do universo instintual para o universo social. O mundo "civilizado", mediante a organização de grupos (estratigráficos) e a consubstanciação de parâmetros de entendimento, desviam a dinâmica da linguagem natural e inauguram e legitimam as desigualdades que, por sua vez, tencionam as relações humanas, domesticando a subjetividade e a liberdade.
Ora, quem neste mundo pode ser quem é? Quem neste mundo consegue experenciar a sua condição demasiadamente humana e ir ao fundo (da existência) para ir além da aparência (dos tratos etiquetais)? Quem neste mundo, repito, consegue apresentar-se como um ser-aí verdadeiramente e, assim, exprimir-se tal e qual perante a realidade circundante? O que é a vida? No que consiste a existência? Mas, afinal, o que é a realidade? É mesmo possível conhecer o mundo [ou isso nos escapa, como de resto nos escapam a compreensão de ideias e noções totais]?
Diante dos imponderáveis da existência humana, como será que poderemos exprimir aquilo que nos angustia e que, portanto, instaura a melancolia originária pela busca deambulante de indícios para as questões mais gerais decorrentes das mentes sensíveis?... O velho Heráclito tinha razão: tudo flui correntemente! Mas, por outro lado, Parmênides talvez haja descrito fidedgnamente o ser na sua essencialidade, quando nos propôs um conhecimento estruturado na costância, na permanência, na imutabilidade, na eternidade... Todavia, quem haverá de acreditar na imobilidade em nosso perverso tempo, quando - e isso para ser bastante clichê! - tudo o que é sólido se desmancha no ar?...
Ora, Heidegger já nos disse que o Dasein só se manifesta no tempo e que a linguagem é a sua morada; entretanto, como escapar das estruturas de poder que são reforçadas pelos esquemas patológicos de um regime (capitalístico) dominante e, portanto, absolutamente excludente, quando nos faltam as condições necessárias para romper com uma cultura que, neste contexto, se massificou e que se reproduziu mediante uma racionalidade pragmática e instrumental, em quem homens e mulheres se transfiguraram em meios para fins obscuros que lhes escapam?
Ampliando as interrogações, indo sempre além e na direção de um esfacelamento constante e dilacerante, coloco-me agora na posição de observador da barbárie que nos habita e da necessidade arcaica de restituição dos fios que se romperam no interiro da socialização em uma infra-estrutura discordante e, agora, identifico no desepero a emergência poético. Eis, assim, o grito...



E o significa o grito que fora pintado naquela famosa tela de título homólogo? O que comunicam os traços curvilíneos de movimentos "escorridos" que retratam um sujeito desesperado em face do impacto porvocado pelo reconhecimento da impossibilidade de se reposicionar originariamente no mundo como ser em si autenticamente poético? 
Em primeiro lugar, deve-se pensar esta tela como resultante de uma progressão, em linha ascendente, ou melhor, em espiral confluente, a qual descreve uma alma em contraste com um mundo absolutamente repressivo e, portanto, em conflito com uma psiquê afetada pela confusão sígnica da realidade externa que, por sua vez, se rompe no horizonte das contradições que demostram que as verdades e certezas apodíticas do discurso moralizante não goza de uma ontologia primordial, encontrando-se, tão somente, no nível das construções e elaborações discurssivas - podendo, então, ser desta, mas de qualquer outra forma...
Em segundo lugar, não se pode esquecer que a cuminância do desespero envolve duas etapas anterirores que se trasduzem na melancolia e na solidão. Todavia, a dissolução do real, na medida em que se transpõem as fronteiras categóricas do social, abre as fendas para o incosciente e a plena poética do self . A logocentricidade da razão cartesiana afirmaria que, nesse caso, o eu se perde nos devaneio de representações que se associam independentemente das cópulas e subscrições do entendimento causalístico.
Ora, a penetrabilidade de um mundo liquefeito mediante sons que invadem as representações dissolutas de um eu fugidio, liberta as potências do id, permitindo-nos desesperar de uma vida que não faz mais sentido algum, a não ser em uma cultura marcada pelo interdito. Quem haverá de dizer que o louco não tem a sua poésis? Quem negará a mitologia de um si mesmo fragmentado e em contraste com a vida e que, justamente, por isso, pretende se reinventar?...

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