quinta-feira, 7 de julho de 2011

Para uma nova história da loucura...

Estava cá a folga, quando, não mais que de repente, ocorreu-me que na história da moralidade uma das preocupações mais fundamentais é, precisamente, a definição do "mesmo" enquanto categoria de identificação e, portanto, delimitação de noções como igualdade, liberdade e justiça. No âmbito da cultura e da racionalidade ocidental, a tensão entre o eu e o outro sempre alimentou os pilares da civilização e, também, das convicções acerca do "certo" e do "errado" que, para garantir a estabilidade mental e social de uma estrutura de poder calcada no exercício da força (seja ela física ou simbólica), legitimou as dissimetrias de raça, classe, gênero, sexo e etnia, mediante instituições supra-individuais como o Estado, a família, a religião e, também, o direito.
No interior das relações sociais, organizadas através do instituto da família e das mediações e trocas decorrentes do parentesco e, também - ou principalmente - das instâncias econômicas e políticas, o jogo retroativo, isto é, as regras de ação e reação simbólicas descritas pelo contato (intersubjetivo) entre as pessoas ocorrem à guisa do communi sensu (entendimento cumum generalizado) que estrutura, portanto, ideias referenciadas numa linguagem que tanto concebe o mundo a partir de uma visão explicativa e totalizadora do real (Weltanschauung), quanto pressupõe uma ação e, ainda, uma epistemologia comprometida com a prática habitual, reiterada e naturalizada.
É, assim então, que medicina, psiquiatria, psicologia e sexologia - ora acompanhadas pelas Ciências Sociais e, também, pelas Ciências da Educação; ora distanciadas de qualquer interface sócio-cultural - procuraram definir, biofisiologicamente o anormal, interpondo também a categoria do normal. Portanto, ao fim e ao cabo, no limite extremo da cientificidade biológica estão os conteúdos naturalizados da moral que estendem o estatuto ontológico da physis à dialética prescritica do reino humano (que é, inequivocamente, sempre histórico e circunstanciado).
Todavia, encontramo-nos em uma situação tal que somos imediatamente colocados na cultura, de maneira que não estamos livres para consubstanciarmos nossos desejos de modo absolutamente puro. O choque, ou melhor, a tensão entre o indivíduo e a sociedade propiciam as "fissuras" que marcam a cisão de um eu integralizado que a estrutura social capitura em suas regras moralistas de conduta. Ora, tais regras se nos impõem coercitivamente, até ao ponto em que as suceptibilidades mais delicadas, quais sejam, as que não se esquematizam e horientalizam passam a sofrer os efeitos de um processo de subjetivação que contrapõe aquilo que performatizamos e aquilo que fantasiamos; pois, quando as fantasias não concordam com as regras do imaginário que é comunmente acieto, emergem das entranhas do mundo da vida, um tipo específico de dasein que desliga-se do contexto antropológico das representações históricas.
Os tipos humanos que se desviam da moralidade interposta à subjetividcade como norma de conduta são, em uma palavra, infames, no sentido de que não vivenciam uma experiência compartilhada, quer porque não se submetem às predições do sistema sismbólico vigente, quer porque vivenciam suas próprias idiossincrasias a ponto de se perderem em seus sonhos ou delírios. Mas a loucura assim compreendida até pode ser encarada como uma poética do eu, apesar de romper os nexos que ligam os indivíduos uns aos outros no horizonte dos costumes.
Todavia, se existe um Dionísio que se repreduz no bárbaro e outro que "luninescende" (istó é, que vem das profundezas obscuras da existência à luz) pela via do estético - e as telas de um Munch são um exemplo -, é possível supor que a saga do "além-do-homem" na terra ainda nem tenha começado, posto que nos falta a percepção necessária para transformarmos a perversidade do conflito entre o indivíduo e a cultura numa narrativa verdadeiramente ética. Afinal, os homens desconhecem os seus prórpios fundamentos...