domingo, 8 de maio de 2011

Munch, a melancolia e a busca do ausente...

TEXTO 1.

Nada melhor que juntar os grãos de meus ditirambos que a tela Melancolia, de Eduard Munch. O quadro se abre em cores oscilantes, entre um céu meio claro / meio escuro de um dia qualquer, numa paisagem que se dilui de perto e se define de longe. No contraste dos objetos fixos que aparecem no plano de fundo e o jovem homem circunspecto em primeira linha, encontra-se a aparente calma de um mar que vai e vem, ajudando a compor a expressão do rosto deste jovem amarelado que, diante do natural - em um ímpeto romantico talvez - recorda acontecimentos e reelabora sentimentos.
O quadro retrata um momento de profunda tristeza diante daquilo que não mais corrobora os pilares subjetivos de nossa credulidade. E esta "psicologia do homem triste" que se quer confortar no seio da natureza indica a cisão de algo que não mais possuímos. A melancolia é o abalo cataclísmico das certezas dogmáticas e as consequências dela são o desespero e a solidão - temas que também estavam no horizonte pictórico e expressionista de Munch.



Todavia, não se está tratando aqui necessariamente de um problema de desordem puramente emocional, mas sim de um drama fundamentalmente existencial. Quando Munch contrasta a imobilidade das árvores de fundo com a expressiva tristeza do anônimo frontal mediante o tranquilo movimento de ir e vir do mar, ele pinta uma falta, uma carência, originalmente constitutiva da humanidade. Essa falta, essa carência, está na raíz da passagem para o humano, momento em que perdermos nossa percepção integral do mundo natural e desperzamos o mito em louvor do racional.
Esta dialética, otimizada pela "cientifização" do pensamento, conduziu o homem a subjetiva-se como meio para fins perversos, e a vontade primordial de permanecer con-fundido transfigurou-se na esperança burguesa de um "amor" inter pares que, juridicamente falando, ao fim e ao cabo, nunca estará à altura das contra-prestações demandadas pela nossa persona enquanto ser-no-mundo que busca preencher-se na medida em que deseja, em qualquer instância psíquica que seja, consciente ou incosnciente, conhecer-se a si mesmo.
Este conhecimento (interno, externo, físico, metafísico, histórico, político, cultural) é o que entra em cena no jogo interpretativo do sentido da existência em face à representação imagética do ausente que se pretende definir em categorias de análise e/ou percepção para responder aos diversos questionamentos que nos propomos resolver. No entanto, se a melancolia é o dispositivo que nos permite contactar com a "decepcionalidade", isto é, com a condição sentimental daquele que se encontra decepcionado; a coisa em si mesma (se é que ela é possível), qual, a decepção propriamente dita é o primeiro estepe da busca do ausente que, por sua vez, é o primeiro instante da atividade filosófica, em suma, a busca da verdade.
O ausente, neste caso, não é algo necessariamente externo, mas uma precisão de verdade, ou seja, é uma movimentação rumo a um outro (alter) que nos possibilite compreender, em contraste e comparação, o nosso próprio mundo, a medida em que nos distanciamos dele, mergulhando, assim, na introspecção participante que, por sua vez, permite obervar o mundo humano pela reconversão interpretativa da realidade mundana das paisagens circundantes. Em Munch, a melancolia é uma contemplação com propósito, e a visitação aos naturais - como a do homem sentado que apoia o queixo com a mão direita logo no primeiro plano da tela - é uma meditação pós-sentimentalisata, que, paulatinamente se afasta do passeio do casal ao longe, posto que no existencialismo exprecionista o que interessa é reconstituição dos móbiles diluidores de um mundo cada vez mais líquido.
  


3 comentários:

  1. Pensar a vida do ponto de vista Existencialista é levar em consideração os constantes conflitos que o homem enfrenta até encontrar sua essencia, e quando a encontra vive nos conflitos oriundos desse encontramento. Suas analises sobre as pinturas acima, me abrem os olhos para mim, assim como para o outro.... nesse mundo desconcertado!!!!
    Parabens!!!!!!!!!!
    Azariel Silva

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  2. Que bom que você gostou, Priscila. Fico muito feliz por você ter lido o meu texto. Obrigado!

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