quarta-feira, 25 de maio de 2011

Acerca da crítica e da suspeita

A crítica é a substância própria do pensamento reflexivo. Ela consiste num salto qualitativo do sujeito em direção a um comum-pertencer no tocante à condição de ser e não-ser. Neste sentido, pode-se afirmar que o homem circula entre dois mundos que descrevem, respectivamente, o determinismo e a liberdade.

Porém, não se diga que o mundo humano é o mundo da perfeição moral, pois os hábitos e costumes prescrevem normas de conduta que consignam práticas que, historicamente, se cristalizaram e, consequentemente, subvencionaram discursos que intituiram signos e referências simbólicas que aprisionaram nossas portências mito-poéticas, escravizando as representações subjetivas no logocentrismo de uma linguagem viciada em categorias que, em última instância, nascem em ou decorrem para uma referência divina...




Entretanto, se a ideia transcêndental de Deus permite reunir a totalidade dos fenômenos do mundo em uma tipografia metafísica de uma fatasmagoria que, supostamente, é a eternidade criadora e, portanto, a causa incausada dos processos físicos e orgânicos em geral; a religião, assim como o Estado, a escola e a família são aparelhos ideológicos que alienam a consciência político-histórica das pessoas, em um contexto no qual todos somos reificados, fetichisados e transacionados como se mercadoria fôssemos...



Mas, afinal, o que é a consciência proprieamente dita, senão apenas um instante pouco revelado de instâncias mais profunda da psiquê humana, que, por sua vez, se estrutura em uma realidade adversa às suas regras ancenstrais, no interior de uma cultura que nos distancia, normativa e categoricamente, dos instintos, sem, contudo, possibilitar uma existência saudável, no tocante aos impulsos, desejos e paixões?... Ao que tudo indica, para nosso desespero, a cultura é o mundo da dor e do sofrimento, prioritariamente quando acreditamos e agimos de acordo com padrões que reprimem e disciplinam a poética verdadeiramente fundamental do eu.




Tudo isso para dizer que as cisões, as carências, as faltas e, também, a angústia e o desespero são o liame da crítica e da mobilização do pensamento em direção ao seu centro, que, relativamente à problematização de si mesmo, conduz, finalmente, à suspeição daquilo que se nos aparece como claro e distinto no raiar das significações. 

Destarte, como uma espécie de persistência dionisíaca ou, ainda, como uma espécie de esforço negativo para ficarmos sempre alerta contra a ideologização da consciência, emergem subliminaridades que nos escapam e que, talvez, sempre escaparão, pois estão tão enraizadas, quanto familiarizadas no modo de viver e na maneira de "dizer" o mundo. E, para não dizer que o senso comum não tem lá a sua sabedoria, ele mesmo percebe que "nem tudo é como a gente quer" e que "as aparências enganam"... 

sábado, 21 de maio de 2011

O grito e a dissolução do eu - nota sobre uma vida em contraste...

TEXTO 3.

A distinção entre natureza e cultura, interno e externo, "eu" e "outro" e, consequentemente, a instauração de norams e regras para a disciplinarização de comportamentos e condutas, através de uma moralidade e, também ou principalmente, do Direito, marca, pois, a transição do universo instintual para o universo social. O mundo "civilizado", mediante a organização de grupos (estratigráficos) e a consubstanciação de parâmetros de entendimento, desviam a dinâmica da linguagem natural e inauguram e legitimam as desigualdades que, por sua vez, tencionam as relações humanas, domesticando a subjetividade e a liberdade.
Ora, quem neste mundo pode ser quem é? Quem neste mundo consegue experenciar a sua condição demasiadamente humana e ir ao fundo (da existência) para ir além da aparência (dos tratos etiquetais)? Quem neste mundo, repito, consegue apresentar-se como um ser-aí verdadeiramente e, assim, exprimir-se tal e qual perante a realidade circundante? O que é a vida? No que consiste a existência? Mas, afinal, o que é a realidade? É mesmo possível conhecer o mundo [ou isso nos escapa, como de resto nos escapam a compreensão de ideias e noções totais]?
Diante dos imponderáveis da existência humana, como será que poderemos exprimir aquilo que nos angustia e que, portanto, instaura a melancolia originária pela busca deambulante de indícios para as questões mais gerais decorrentes das mentes sensíveis?... O velho Heráclito tinha razão: tudo flui correntemente! Mas, por outro lado, Parmênides talvez haja descrito fidedgnamente o ser na sua essencialidade, quando nos propôs um conhecimento estruturado na costância, na permanência, na imutabilidade, na eternidade... Todavia, quem haverá de acreditar na imobilidade em nosso perverso tempo, quando - e isso para ser bastante clichê! - tudo o que é sólido se desmancha no ar?...
Ora, Heidegger já nos disse que o Dasein só se manifesta no tempo e que a linguagem é a sua morada; entretanto, como escapar das estruturas de poder que são reforçadas pelos esquemas patológicos de um regime (capitalístico) dominante e, portanto, absolutamente excludente, quando nos faltam as condições necessárias para romper com uma cultura que, neste contexto, se massificou e que se reproduziu mediante uma racionalidade pragmática e instrumental, em quem homens e mulheres se transfiguraram em meios para fins obscuros que lhes escapam?
Ampliando as interrogações, indo sempre além e na direção de um esfacelamento constante e dilacerante, coloco-me agora na posição de observador da barbárie que nos habita e da necessidade arcaica de restituição dos fios que se romperam no interiro da socialização em uma infra-estrutura discordante e, agora, identifico no desepero a emergência poético. Eis, assim, o grito...



E o significa o grito que fora pintado naquela famosa tela de título homólogo? O que comunicam os traços curvilíneos de movimentos "escorridos" que retratam um sujeito desesperado em face do impacto porvocado pelo reconhecimento da impossibilidade de se reposicionar originariamente no mundo como ser em si autenticamente poético? 
Em primeiro lugar, deve-se pensar esta tela como resultante de uma progressão, em linha ascendente, ou melhor, em espiral confluente, a qual descreve uma alma em contraste com um mundo absolutamente repressivo e, portanto, em conflito com uma psiquê afetada pela confusão sígnica da realidade externa que, por sua vez, se rompe no horizonte das contradições que demostram que as verdades e certezas apodíticas do discurso moralizante não goza de uma ontologia primordial, encontrando-se, tão somente, no nível das construções e elaborações discurssivas - podendo, então, ser desta, mas de qualquer outra forma...
Em segundo lugar, não se pode esquecer que a cuminância do desespero envolve duas etapas anterirores que se trasduzem na melancolia e na solidão. Todavia, a dissolução do real, na medida em que se transpõem as fronteiras categóricas do social, abre as fendas para o incosciente e a plena poética do self . A logocentricidade da razão cartesiana afirmaria que, nesse caso, o eu se perde nos devaneio de representações que se associam independentemente das cópulas e subscrições do entendimento causalístico.
Ora, a penetrabilidade de um mundo liquefeito mediante sons que invadem as representações dissolutas de um eu fugidio, liberta as potências do id, permitindo-nos desesperar de uma vida que não faz mais sentido algum, a não ser em uma cultura marcada pelo interdito. Quem haverá de dizer que o louco não tem a sua poésis? Quem negará a mitologia de um si mesmo fragmentado e em contraste com a vida e que, justamente, por isso, pretende se reinventar?...

terça-feira, 17 de maio de 2011

Entre a Melancolia e a Solidão...

TEXTO 2.

Um passante caminhado à orla de um turbilhão de sentimentos invasivos. Ou melhor, a “introspectividade” de alguém que se volta para a evasão de si, na medida em que a paisagem externa reflete o “cinza” da alma e a insustentável fugacidade do ser/estar no mundo. Pouco nos importa se a figura está parada ou caminhando de modo lento ou distraído; e, a não ser que nos enganemos com a nossa ótica exteriorista, a única certeza é a melancolia que, nos interstícios originários de nossas ausências, coloca-nos solitários em uma busca peripatética daquilo que se perde no contraste entre as cores laranjas de um céu escatológico e a lugubridade de águas escuras.





Munch exprime em antíteses pictográficas o des/caminhar de alguém que se re-volta na solidão de uma orla crepuscular e anima, incita e provoca nossa atenção para o desenrolar da melancolia em uma con/fusão de sentimentos e tópicas que borram as fronteiras entre os lugares do íntimo e do não-íntimo, que, supostamente, dividem a condição humana das coisas externas, mostrando, assim, que a materialidade do real também desenha os estados da alma que, por sua vez, se aperta, sufocada, entre o psiquismo e a imperatividade categórica dos fatos sociais. O próximo passo, o porvir consequencial é o desespero, o grito...

domingo, 8 de maio de 2011

Munch, a melancolia e a busca do ausente...

TEXTO 1.

Nada melhor que juntar os grãos de meus ditirambos que a tela Melancolia, de Eduard Munch. O quadro se abre em cores oscilantes, entre um céu meio claro / meio escuro de um dia qualquer, numa paisagem que se dilui de perto e se define de longe. No contraste dos objetos fixos que aparecem no plano de fundo e o jovem homem circunspecto em primeira linha, encontra-se a aparente calma de um mar que vai e vem, ajudando a compor a expressão do rosto deste jovem amarelado que, diante do natural - em um ímpeto romantico talvez - recorda acontecimentos e reelabora sentimentos.
O quadro retrata um momento de profunda tristeza diante daquilo que não mais corrobora os pilares subjetivos de nossa credulidade. E esta "psicologia do homem triste" que se quer confortar no seio da natureza indica a cisão de algo que não mais possuímos. A melancolia é o abalo cataclísmico das certezas dogmáticas e as consequências dela são o desespero e a solidão - temas que também estavam no horizonte pictórico e expressionista de Munch.



Todavia, não se está tratando aqui necessariamente de um problema de desordem puramente emocional, mas sim de um drama fundamentalmente existencial. Quando Munch contrasta a imobilidade das árvores de fundo com a expressiva tristeza do anônimo frontal mediante o tranquilo movimento de ir e vir do mar, ele pinta uma falta, uma carência, originalmente constitutiva da humanidade. Essa falta, essa carência, está na raíz da passagem para o humano, momento em que perdermos nossa percepção integral do mundo natural e desperzamos o mito em louvor do racional.
Esta dialética, otimizada pela "cientifização" do pensamento, conduziu o homem a subjetiva-se como meio para fins perversos, e a vontade primordial de permanecer con-fundido transfigurou-se na esperança burguesa de um "amor" inter pares que, juridicamente falando, ao fim e ao cabo, nunca estará à altura das contra-prestações demandadas pela nossa persona enquanto ser-no-mundo que busca preencher-se na medida em que deseja, em qualquer instância psíquica que seja, consciente ou incosnciente, conhecer-se a si mesmo.
Este conhecimento (interno, externo, físico, metafísico, histórico, político, cultural) é o que entra em cena no jogo interpretativo do sentido da existência em face à representação imagética do ausente que se pretende definir em categorias de análise e/ou percepção para responder aos diversos questionamentos que nos propomos resolver. No entanto, se a melancolia é o dispositivo que nos permite contactar com a "decepcionalidade", isto é, com a condição sentimental daquele que se encontra decepcionado; a coisa em si mesma (se é que ela é possível), qual, a decepção propriamente dita é o primeiro estepe da busca do ausente que, por sua vez, é o primeiro instante da atividade filosófica, em suma, a busca da verdade.
O ausente, neste caso, não é algo necessariamente externo, mas uma precisão de verdade, ou seja, é uma movimentação rumo a um outro (alter) que nos possibilite compreender, em contraste e comparação, o nosso próprio mundo, a medida em que nos distanciamos dele, mergulhando, assim, na introspecção participante que, por sua vez, permite obervar o mundo humano pela reconversão interpretativa da realidade mundana das paisagens circundantes. Em Munch, a melancolia é uma contemplação com propósito, e a visitação aos naturais - como a do homem sentado que apoia o queixo com a mão direita logo no primeiro plano da tela - é uma meditação pós-sentimentalisata, que, paulatinamente se afasta do passeio do casal ao longe, posto que no existencialismo exprecionista o que interessa é reconstituição dos móbiles diluidores de um mundo cada vez mais líquido.